Casa do Alcaide-Mor, Estremoz:
Incúria e más-práticas vão continuar a ser investigadas
Decorrido quase ano e meio sobre a apresentação da queixa-crime contra várias entidades envolvidas no processo de licenciamento da adaptação da Casa do Alcaide-Mor de Estremoz a um novo “hotel de charme”, a Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelo (APAC) foi recentemente notificada do arquivamento do inquérito.
Inconformada com a insuficiente fundamentação desse arquivamento, e, em particular, com a decisão de pôr termo ao processo iniciado com a queixa, a APAC suscitou intervenção hierárquica, solicitando que o inquérito fosse reaberto e as diligências de investigação continuassem tendo em vista as finalidades do inquérito, o que foi tido por pertinente, sendo agora determinada a continuidade da investigação.
Quando, em 2018, a Casa do Alcaide-Mor de Estremoz, Monumento Nacional e parte integrante do Conjunto Monumental da Alcáçova de Estremoz, foi vendida pelo município a um promotor turístico, encontrava-se num lamentável estado de decaimento, fruto de décadas de desuso, ausência de manutenção, destelhamento e consequente exposição à intempérie de parte do seu interior.
O projeto desenvolvido pelo atelier de arquitetura contratado pelo promotor e submetido à C. M. de Estremoz preservava razoavelmente as pré-existências, nomeadamente a repartição do espaço interior, mantendo uma boa parte das paredes mestras de alvenaria e, sobretudo, a nobre fachada principal. Sobre este projeto foram emitidos diversos pareceres por arqueólogos e arquitetos da Direção Regional de Cultura do Alentejo, sempre no sentido da salvaguarda das componentes mais relevantes do edifício, do ponto de vista patrimonial e do recurso, na sua reabilitação, aos materiais e técnicas construtivas originais.
Infelizmente, com base num simples termo de responsabilidade, e passando por cima dos vários pareceres anteriormente elaborados pelos técnicos da DRC Alentejo, foi proposta à Direção-Geral do Património Cultural, a aprovação de um projeto de execução que preconizava o “desmonte” – leia-se demolição — de grande parte do monumento, incluindo o seu elemento mais valioso, ou seja, a própria fachada principal, e a construção em seu lugar, de uma estrutura constituída por pilares, vigas e lajes de betão armado.
Tal abordagem, em flagrante desrespeito pelas boas-práticas na reabilitação do edificado antigo, mormente quando em presença de construções com reconhecido valor histórico-artístico, conduziu à completa desvirtuação do Monumento Nacional que constitui a Casa do Alcaide-Mor.
Tendo tomado conhecimento de tais desmandos através de outras organizações locais e regionais de defesa do Património, a somar a décadas de incúria por parte do município, a APAC não podia deixar de intervir. Mais do que punir os responsáveis, interessa sobretudo à APAC tirar ilações que possam contribuir para que o património cultural do nosso país, em particular na sua vertente construída, sem prejuízo da sua adaptação a novos usos pela geração presente, seja objeto da atenção e dos cuidados que permitam o seu usufruto também pelas futuras gerações.
Lisboa, 26 de junho de 2023